Programas de celular já não são apenas novidades tecnológicas: se embrenharam de tal forma em nossa rotina que estão lentamente reinventando o comportamento humano.
UM OLHO NO PEIXE, OUTRO NO GATO
Por Carla Peralva
Usar a internet vendo TV já é hábito normal. Lê um pouquinho, assiste um pouquinho, twitta um pouquinho. Pode até haver preponderância entre as duas atividades (a TV vira som ambiente, trilha da navegação), mas elas podem se complementar.
O Twitter é um bom exemplo. Os maiores picos de audiência do site foram em eventos esportivos televisionados, como a Copa do Mundo de 2010. Em época de Big Brother Brasil, os trending topics brasileiros ficam monotemáticos. Nós falamos muito sobre TV na internet. E não venha dizer que isso é coisa de brasileiro. Os americanos tagarelam sobre American Idol e o Super Bowl.
Mas é só isso? Ver e comentar? Não. Ver TV e navegar fica mais legal se as duas coisas forem feitas efetivamente juntas. Várias emissoras sacaram a força de uma audiência que se fala e se engaja. Foi daí que surgiram – e cada vez maior número e mais interativos – os aplicativos de duas telas: a da TV integrada ao computador, tablet ou celular. Não é só saber da sua série favorita, ver fotos inéditas ou votar, é sincronizar conteúdos e criar uma experiência múltipla e com novas informações no momento em o programa está passando.
Em fevereiro, emissora de TV americana ABC atualizou seu aplicativo para iPad com uma nova função: ele pode ser usado enquanto se assiste à série Grey’s Anatomy. Com o conteúdo da série sincronizado com o tablet, informações adicionais são exibidas para o telespectador.
Imaginar bons serviços baseados nesse conceito é fácil: para programas de culinária, espaço para salvar as receitas e links para lojas que possuam os ingredientes; para esportes, estatísticas, replay e tira-teima; para reality shows, ambientes de discussão e de votação. As possibilidades são muitas, é só criar.
CELULAR-FAZ-TUDO NÃO DEIXA VOCÊ CHUPAR CANA E ASSOVIAR
Por Heloisa Lupinacci
Ele é menos volumoso do que um cafezinho (são 65 ml do iPhone contra 75 ml da xícara de café). Mas dá para enfiar ali sua câmera fotográfica e as fotos tiradas, discos, e-mails, amigos, e, claro, o telefone.
É impressionante. É multitarefa. Está sempre à mão e… força você a fazer uma coisa de cada vez. Não tem conversa: quanto mais coisas o seu celular faz, mas ele desafia o usuário: só há espaço para um multitarefa nessa relação. Ou é ele ou é você.
Se um aparelho só toca suas músicas e tira suas fotos, esqueça a ideia de registrar a vista da janela ao mesmo tempo em que ouve um disco gravado no seu iPhone plugado no dock. Ou é música ou é fotografia. E se o telefone tocar, não vai ser nem um nem outro. Para tudo para dizer alô. E não dá para conversar no telefone e checar e-mail ao mesmo tempo.
Se a conversa estiver chata, a única opção é encerrá-la. E depois decidir se vai checar e-mail ou ouvir música. Ou tirar uma fotografia.
Você quer chupar cana e assobiar? Então comece pelos sambas de uma nota só e recupere sua câmera fotográfica e seu aparelho de som. Com eles, veja só que impressionante, você pode atender o celular ouvindo música com o outro ouvido e tirando foto com a outra mão.
A equação é simples: para você ser multitarefas, precisa de vários aparelhos para cada uma delas. Se um deles serve para tudo, conforme-se a fazer uma delas de cada vez.
ESCOLHA O QUE DIZER PARA QUEM – E COMO
Por Tatiana de Mello Dias
Sempre tive orgulho de ser offline. Com meu primeiro smartphone, estranhei poder ver e-mail toda hora. Mas era só e-mail. Aí vieram os apps. Comecei pelas mensagens instantâneas. Como o Gtalk é bloqueado no meu smartphone, rebolei para achar outro. Usei o chat do Facebook, bem bugado no app para Android. Fui para o Fring, feio demais.
Cheguei ao Meebo. Não é o Gtalk, mas vai bem. Descobri o ótimo Tango, que faz videochamadas grátis via 3G ou Wi-Fi. Usei Skype e WhatsApp, para enviar SMS de graça, via internet.
Foi então que me dei conta: estar online ficou muito importante. Foi criada uma nova necessidade – uma mudança repentina, mas sutil o suficiente para que eu não tentasse impedi-la. E isso é geral. Todo mundo está online o tempo todo. É mais ou menos como quando o celular ficou indispensável. Só que, então, controlávamos quem sabia nosso número – algumas dezenas de amigos e familiares. Agora estamos disponíveis o tempo para todos os contatos (MSN, Gtalk, Facebook…), unidos em uma grande lista de conhecidos.
Não basta mais escolher assunto e destinatário – é preciso eleger a melhor plataforma para falar aquilo para aquela pessoa. Há todas as opções para falar de todas as maneiras com todas as pessoas que você conhece, onde quer que você esteja. A seleção natural do círculo social fica comprometida. É preciso aprender a usar tudo isso sem virar um maníaco-social nem ir no caminho contrário e perder a comunicação que ainda importa.
NADA VALE MAIS QUE UM PÁSSARO VOANDO
Por Alexandre Matias
Depende do ângulo da borracha do estilingue e da hora do tapinha na tela. Tem também o tipo de pássaro arremessado e o material de que é feita a parede que ele tem de atravessar para matar o maldito porco verde. Morra!
“Opa, chefe, chegamos”, o taxista me tira do transe de explodir pássaros em cima de porcos. Calma, Ibama! Os bichos que explodem nas pontas dos meus dedos são os protagonistas deAngry Birds, um dos aplicativos mais populares do mundo. Tento conter o uso desses pequenos programas para não cair numa espiral de uso contínuo típica do meio digital – o “loop de tecnologia” descrito na série Portlandia. Mas eis que o celular me transporta para os Game Watch da minha infância e os Nintendinhos da minha adolescência, dragando mais energia vital que o player de MP3, checar e-mail ou tirar fotos.
QUEM ESPERA SEMPRE ALCANÇA – AGORA SEM O TÉDIO
Por Filipe Serrano
A um quarteirão do ponto por onde passa a linha que me deixa na frente da sede doEstado, vejo o ônibus acelerando e deixando para trás pelo menos 15 minutos de espera até o próximo. Há poucos anos seria um tempo coberto de tédio. Hoje, nem tanto.
Puxo o celular e posso ver o que está se falando no Twitter, recados no Facebook ou as notícias do dia. Posso abrir o Jewels, jogo que serve como um passatempo perfeito. No aplicativo do Kindle, continuo a ler um livro digital comprado na Amazon ou baixo a edição mais recente de uma revista. Se não quiser fazer nada disso, adianto a leitura de e-mails diária (embora muitas vezes isso seja apenas uma tarefa de apagar dezenas deles). O ônibus chega de repente.
Um artigo na revista Atlantic tratou desse hábito no ano passado. “O tédio foi extinto”, dizia o título do texto assinado por Walter Kirn, autor do livro Amor Sem Escalas. Ele culpa a tecnologia por acabar com o tempo que precisávamos aturar inevitavelmente sem nada para fazer, como numa longa viagem, no táxi ou no ponto de ônibus.
É nesse momento que muitos recorrem, em primeiro lugar, ao celular. Com os aplicativos, há ainda mais opções para escolher como ocupar o tempo.
Fonte: site Estadão